Conflito atinge áreas como Paripe, Fazenda Coutos, Chapada do Rio Vermelho, Vale
das Pedrinhas, Santa Mônica, Liberdade, Alto do Coqueirinho e Bairro da Paz
As regiões são vizinhas, mas os moradores de uma não podem ir na outra. Nas
fronteiras, uma guerra atinge qualquer um, sem aviso nem defesa. As brigas entre
gangues de bairros – antigas, mas agora com o tráfico de drogas como mote,
segundo especialistas – deixam moradores acuados e ruas manchadas de
sangue.
Em áreas como Paripe e Fazenda Coutos, Chapada do Rio Vermelho e
Vale das Pedrinhas, Santa Mônica e Liberdade, e Alto do Coqueirinho e Bairro da
Paz, visitantes de um ou outro local não são bem-vindos.
Em cena, um
episódio recente que ultrapassou as trincheiras dos conflitos: o jovem Iago de
Jesus Santos, 19 anos, curtia o sábado de Carnaval na Barra, quando foi morto
com uma facada no abdômen, na Rua Marquês de Leão.
O jovem era morador
de Fazenda Coutos, Subúrbio Ferroviário, e recebeu o golpe de Paulo César Lins
Filho, o Lucas, 20, da comunidade Bate Coração, em Paripe, também área
suburbana.
Entre Paripe e Fazenda Coutos, a rua Irecê é o palco principal dos confrontos.
Devastado, o pai de Iago, o aposentado Raulino de Santana Silva, 49, acredita
que a rixa dos bairros motivou a morte do seu filho.
“Meu Iago era um
rapaz trabalhador, não era metido com essas coisas. Mas mesmo quem não tem nada
a ver, acaba sobrando quando eles (os grupos rivais) se pegam”,
lamenta.
Fazenda Coutos foi o quinto bairro a receber uma Base
Comunitária de Segurança, mas nem a presença da polícia conseguiu afastar o medo
da população.“Os de lá não vêm aqui e nem os daqui vão pra lá. E nesse fogo
cruzado, sobra para os moradores. Antes da base, as coisas eram muito piores,
mas mesmo assim evito ir para Paripe”, relata o comerciante Francisco dos Santos
Passos, 53.
Após a instalação da base, segundo a comerciante Dirce Souza
da Silva, 46, que mora no bairro há 20, os confrontos diminuíram. “Eles brigavam
menos, mas quando teve a greve da polícia, os embates eram diários e ocorriam
mais de uma vez por dia”, lembra.
Ela relata que adolescentes estão
entre os principais participantes dos confrontos. “Meninos de 13, 14 anos, do
Bate Coração e com armas imensas nas costas, subiam para pegar os daqui, que
revidavam”, comenta
Invasão Do lado de Coutos, às margens da Rua Irecê, um aposentado afirma
que pretende ir embora. “A vontade é essa.“Os daqui dão testa com os de lá
quando descobrem que o outro grupo pretende invadir a comunidade”.
Do
outro lado, moradores do Bate Coração sofrem com o mesmo problema. “Esses dias
que ficamos sem a polícia foi um inferno. Os tiroteios eram direto”,diz a
cabeleireira Jesuína Brandão, 52.
A guerra entre os bairros de Santa
Mônica e Liberdade jamais sairá da cabeça de Eduardo Amorim, pai do estudante
Claudionor Santiago Amorim, 18, assassinado em junho de 2009.
“Lembro
como se fosse hoje. Estou tomando antidepressivos e já passei até por
psiquiatra”, diz. O filho dele foi fuzilado na porta da casa de uma tia, onde
permaneceu após traficantes de Santa Mônica decretarem toque de recolher no
Pero Vaz e na Liberdade, por causa da morte de um dos líderes.
“Mesmo
depois de quase três anos, as coisas pouco mudaram. Mas a situação é pior na
Liberdade. Tenho parentes que não vão na Santa Mônica e vice-versa. Isso porque,
para os bandidos, não faz diferença se você é envolvido ou não”, completa
Edmundo.
No Complexo do Nordeste, a tensão ainda é forte entre os
moradores da Chapada do Rio Vermelho e Vale das Pedrinhas, apesar das bases
comunitárias de segurança.
“Os jovens que não têm envolvimento não
circulam nas duas áreas porque temem ser confundidos ou mortos só porque residem
num bairro rival. Nessa brincadeira, já morreram muitos”, conta o estudante
Flávio Santos Bispo, 27, morador da Chapada.
Disputa por bocas é razão
dos conflitos
Apesar de antigas, as brigas entre gangues de bairros,
segundo especialistas, ganharam um novo pivô: o tráfico de drogas.
“É um
fenômeno antigo, mas acontece que, com a exacerbação da violência, a rivalidade
manifestada de outras formas agora chega a crimes contra a vida por causa da
associação com as drogas”, avalia o coronel Antônio Jorge Ferreira Melo,
professor e pesquisador do Programa de Gestão, Pesquisas e Estudos de Segurança
Pública (Progesp) da Ufba.
Segundo ele, a faixa etária média dos
integrantes de gangues varia entre 14 e 19 anos. “É a necessidade de
pertencimento, de integrar uma tribo, mas quando não encontram outras formas
canalizam para a violência”, analisa.
O delegado Miguel Cicerelli,
adjunto da 13ª Delegacia (Cajazeiras), que já esteve à frente das unidades
policiais do Bonfim, na Cidade Baixa, Liberdade e Rio Vermelho, atribui o
envolvimento dos jovens com essas guerras à falta de investimentos em educação e
fiscalização da família.
“Em 90% dos casos que acompanhamos, não há a
figura da família, principalmente a do pai. Eles procuram uma identidade na rua
e acabam gerando esses grupos. É uma sensação de poder e autoafirmação. Os
moradores que não têm nada a ver é que sofrem com a violência gratuita”,
ressalta.